21 de julho de 2013

TEXTO DE EDRISI FERNANDES

Dom Quixote é uma figura que pertence ao imaginário cultural do Ocidente - um esguio cavaleiro/cavalheiro idealista, visionário e sonhador, acompanhado em suas aventuras pelo seu rotundo companheiro/escudeiro Sancho Pança, representação da realidade crua e do senso comum, mas também da amizade possível entre os diferentes. A escritora francesa Dominique Aubier propôs que Miguel de Cervantes teria sido um marrano que nomeou seu herói (Quijote, em castelhano) com base na palavra aramaica q’shot, qeshot, que significa “verdade” ou “certeza”. Pode-se dizer pelo menos, citando Cervantes, que na obra Don Quijote, “a arte, imitando a Natureza, parece que ali a vence”, e sugerir que a obra/a arte (a exemplo da vida, sob uma perspectiva metafísica) tem uma verdade que transcende toda nostalgia, ironia ou fantasia. Considerada em maio de 2002, por uma comissão internacional de críticos literários, como o melhor livro de ficção já escrito, Don Quijote já inspirou inúmeros artistas, que não desapontaram o engenhoso fidalgo que havia profetizado nas páginas de Cervantes: “Feliz idade e feliz século aquele onde sairão à luz as minhas famosas façanhas, dignas de entalhar-se em bronzes, esculpidas em mármores e pintadas em telas para a memória do futuro”. O multiartista curraisnovense/cosmopolita Assis Costa resolveu dar a sua contribuição para testar os limites da quixotesca(?) profecia, experimentando uma nova forma de arte, que bem poder-se-ia chamar “vinarela” (pintura com “vinum”, e não com “aqua”), como forma de representar cenas da vida e da tradição do Quixote. Muitas uvas, safras e taças depois, eis que se cumpre um outro vaticínio – este, do historiador e professor gaúcho Voltaire Schilling, que percebeu que o “soberbo doido” Dom Quixote “está vivíssimo” nos dias de hoje, em prontidão para enfrentar o gigante Briareu (não importa se disfarçado de moinho de vento ou de torre de televisão!) e espantar as injustiças. Assis Costa veste a armadura do Quixote e, empunhando o pincel no lugar da lança (e segurando na outra mão uma taça), confronta as adversidades da mesmice, da banalidade e da rasteireza na planície da arte contemporânea, recusando o óbvio sem descuidar do clássico e exaltando o figurativo com as cores do onírico. Com Assis e Quixote combatemos o bom combate pela arte, que persevera ao final. E nada mais oportuno que celebrar essa vitória com um bom vinho...

Edrisi Fernandes
Médico e apreciador do belo e do sublime;
Prof. da Especialização em Estudos Clássicos da UnB e

Prof. Colaborador do Mestrado em Filosofia da UFRN